Investigadora Portuguesa Cria Borboleta com Olhos Fluorescentes
Por TERESA FIRMINO
Sexta-feira, 09 de Abril de 2004
Não pode dizer-se que seja uma borboleta vistosa. O tom
castanho, algo desmaiado, só é um pouco avivado por umas manchas
redondas nas asas, brancas no centro e rodeadas por um anel preto e
outro dourado. Mas alguns exemplares desta borboleta africana, da
espécie "Bicyclus anynana", ganharam uma característica que não existe
em nenhum congénere selvagem: têm uns olhos verdes fluorescentes. E
quem lhos deu foi a equipa de Antónia Monteiro, uma investigadora
portuguesa que trabalha nos Estados Unidos, na Universidade de Buffalo.
Há duas novidades nesta experiência. É a primeira vez que se cria
uma borboleta fluorescente, que vai juntar-se a outros seres vivos aos
quais os cientistas deram fluorescência e luminosidade, como um coelho
esverdeado e um peixe que brilha no escuro. Mas é a primeira vez que se
cria uma borboleta geneticamente modificada, ou transgénica, em que um
gene introduzido no genoma, oriundo de outro ser vivo, foi activado e
passou a comandar o fabrico de uma proteína. "Além disso, passa esse
gene para a descendência", sublinha Antónia Monteiro.
A "Bicyclus anynana" ganhou um gene de uma medusa marinha, a
"Aequorea victoria", que comanda o fabrico de uma proteína fluorescente
verde. Foi por isso que a borboleta ficou com os olhos fluorescentes.
Vistos de perto, parecem enormes, mas só têm um milímetro de diâmetro,
como os de outras borboletas.
A equipa de Antónia Monteiro explicou esta experiência a 10 de Março
na revista "Biology Letters", editada pela Royal Society, em Londres.
Injectaram em 10.098 ovos da "Bicyclus anynana" não só o gene da
medusa, como também uma sequência reguladora genética, retirada da
mosca-do-vinagre, que activa o gene apenas nos olhos. No final, só 79
chegaram ao estado adulto e férteis: depois de cruzados com borboletas
selvagens, resultaram sete borboletas transgénicas cujos olhos têm uma
luminosidade verde.
"Esta experiência serve para demonstrar que podemos inserir genes à
escolha no genoma desta borboleta", explica Antónia Monteiro. É o
primeiro passo de uma sequência de experiências para testar a função de
certos genes na diferenciação das células que produzem as cores das
asas das borboletas. Esses genes, continua, são bem conhecidos pelas
suas múltiplas funções durante o desenvolvimento embrionário e larvar
dos insectos.
Por exemplo, sabe-se que o gene Distal-less é muito importante no
desenvolvimento dos insectos em geral - no caso, das asas, patas e
antenas. Na borboleta "Bicyclus anynana" o gene também está envolvido
na formação dos padrões das asas - as tais manchas, que parecem olhos e
se chamam ocelos, e que não existem noutros insectos.
"Depois de testarmos a função desses genes, vamos tentar descobrir
como foram recrutados para colorir os ocelos nas asas das borboletas.
Aparentemente, durante o processo evolutivo adquiriram a nova função de
colorir as asas", continua Antónia Monteiro. "O estudo dos mecanismos
de recrutamento de genes e ligações genéticas completas para o controlo
do desenvolvimento de novas características em organismos (patas, asas,
ocelos, etc.) está a ser um foco recente da investigação em biologia
evolutiva e do desenvolvimento."
A equipa de Antónia Monteiro já está a criar novas borboletas
transgénicas: "Mas desta vez vamos introduzir genes que são candidatos
para o controlo das cores das asas. Se conseguirmos activá-los de forma
controlada, eventualmente desenharemos padrões novos nas asas. Nessa
altura, talvez um dos meus alunos decida sair da ciência para se
dedicar à arte com borboletas transgénicas! Pessoalmente, tenho
reservas em relação ao uso destes animais para essa função."
Não é que saiba explicar bem por que razão é contra. "Mato dezenas
de borboletas no decorrer de uma experiência científica, e é óbvio que
se são criadas no laboratório não há qualquer problema de extinção,
como acontece com muita da arte produzida com asas de borboletas em
países tropicais. Mesmo assim, há qualquer coisa dentro de mim contra o
uso de seres vivos para exibições puramente artísticas."
Apenas os olhos ficaram fluorescentes porque o gene da medusa é
controlado pela sequência reguladora genética que activa este gene só
aí. Mas se alguém está à espera de ver uns olhos luminosos,
desengane-se já. Passam despercebidos à luz normal, razão porque a
investigadora diz que estas borboletas não deverão despertar interesse
comercial. "A fluorescência está restrita aos olhos e só é detectável
no escuro, debaixo de um microscópio especial, por isso não creio que
estas borboletas vendam."
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